O modelo de cobrança do Imposto de Renda no Brasil enfraquece o princípio da progressividade e compromete o dinamismo econômico do país, ao favorecer os mais ricos e impor um dos maiores tributos corporativos do mundo. Essa é a conclusão de um novo estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que traça um diagnóstico detalhado da estrutura atual da tributação da renda e propõe reformas para torná-la mais justa e eficiente.
De acordo com o levantamento, o Brasil vai na contramão da maioria dos países ao manter isentos os dividendos recebidos por pessoas físicas, beneficiando quem está no topo da pirâmide de renda. Enquanto isso, empresas enfrentam uma alíquota nominal de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) de 34%, uma das mais altas do planeta. O estudo estima que as distorções do sistema resultam em perdas superiores a R$ 200 bilhões por ano.
Além de defender a tributação de dividendos, a pesquisa propõe revisar os regimes especiais, como o Simples e o lucro presumido, e rever os benefícios fiscais que reduzem a carga efetiva de impostos para grandes empresas. Segundo Sérgio Gobetti, autor do estudo, essas medidas permitiriam cortar a alíquota do IRPJ e melhorar a competitividade do país, a exemplo do que fizeram 31 dos 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) entre 2003 e 2023.
Isenção para dividendos favorece os mais ricos
O estudo aponta que só dois países da OCDE, Estônia e Letônia, ainda mantêm a isenção sobre os dividendos. A maioria tributa os lucros distribuídos aos acionistas, prática que também foi adotada recentemente por Colômbia, Chile e México.
No Brasil, a isenção dos dividendos alimenta uma desigualdade estrutural: mais da metade dos valores pagos no Simples Nacional vai parar nas mãos de sócios com rendimento anual superior a R$ 662 mil. “Tamanho benefício não encontra respaldo na capacidade contributiva e precisa ser revisto”, afirma Gobetti.
Distorções no lucro presumido e no Simples
Outra crítica do estudo recai sobre os regimes do lucro presumido e do Simples, que recolhem IRPJ e CSLL com base no faturamento, e não no lucro real. Essa metodologia gera distorções: enquanto o percentual médio de presunção do lucro é de 15,8%, os dados da Receita Federal mostram uma margem real de 30,4% entre 2015 e 2019.
A diferença resultou, só em 2019, em uma renúncia de R$ 87,7 bilhões no Simples e R$ 115,9 bilhões no lucro presumido. Esse cenário, segundo o Ipea, estimula o chamado “planejamento tributário agressivo”, com empresas organizadas em conglomerados para alocar custos e receitas de modo a pagar menos impostos.
Alíquota efetiva abaixo da nominal
Mesmo entre as empresas submetidas ao lucro real, a alíquota efetiva média foi de 24,3% entre 2016 e 2019, bem abaixo da nominal de 34%. Isso se deve, segundo o estudo, aos diversos benefícios fiscais e ajustes legais permitidos pela legislação. Um dos exemplos citados é a dedução dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), que permite abater do lucro tributável valores pagos aos acionistas como se fossem juros bancários. A renúncia fiscal com o JCP gira em torno de R$ 24 bilhões por ano.
Gobetti afirma que essa política perdeu o sentido. “Países europeus que adotavam o JCP já restringiram seu uso porque ele se mostrou custoso e ineficiente, beneficiando mais o planejamento tributário do que os investimentos reais”, analisa.
Setor de petróleo na mira
A proposta do Ipea inclui ainda a criação de um adicional de contribuição social para o setor petrolífero, com alíquota variável conforme a cotação do barril de petróleo e a taxa de câmbio. Com lucros superiores à média do mercado, mesmo em cenários de maior tributação, os investidores do setor continuariam obtendo retornos elevados.
Simulações apontam que, com o petróleo a US$ 100 o barril, a taxação extra poderia reduzir a taxa de retorno de 35,7% para 29,1% nos contratos de concessão, sem afetar significativamente o interesse no setor.
Rumo a um modelo mais justo
Para corrigir as distorções, o estudo defende uma reforma que combine a retomada da tributação de dividendos com a redução das alíquotas de IRPJ e CSLL. Isso poderia ser feito por meio de dois modelos. Um deles seria a tributação ampla de todas as rendas pela tabela progressiva do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), com abatimento do imposto já pago pela empresa. O outro seria manter a diferenciação entre rendas do trabalho e do capital, mas com alíquotas combinadas próximas à máxima aplicada ao trabalho — entre 35% e 40%.
A proposta tem potencial para tornar o sistema tributário brasileiro mais progressivo, justo e eficiente, ao mesmo tempo em que abre espaço para o crescimento econômico e o aumento da competitividade das empresas no cenário global.