“Em todas as guerras, são as crianças que sofrem primeiro e aquelas que sofrem mais.” A frase está estampada no portal do Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Unicef. Também na internet, encontram-se numerosas manchetes do tipo: “Centenas de crianças morreram de fome em Gaza nos últimos dias”. A ajuda humanitária, pelo menos segundo informações, está chegando lá, mas é impedida por conta de bloqueios impostos em pleno inferno da guerra que naquele recanto do mundo parece não ter mais fim.
As imagens de crianças esqueléticas, nos braços de pais também famélicos, chegam, diretamente do território de Gaza, aos olhos de todo o planeta, a todo instante, haja vista a formidável rede midiática dos nossos tempos. Alcançamos, ainda a bem dizer neste alvorecer do século vinte e um, o suprassumo da tecnologia de informação em toda a história da humanidade. Internet e canais de televisão estão aí para espalhar, a todo instante, em tempo real e em meio a uma enxurrada de outros conteúdos, o drama da fome, do sofrimento e da barbárie que atingem as crianças de Gaza, somente a título de exemplo.
Mergulhados nesse fantástico universo de meios de comunicação do mundo atual, a impressão que podemos ter é de que a humanidade, ao desenvolver tais aparatos, conseguiu, como jamais antes, apenas escancarar a céu aberto todo o mal e crueldade que sempre grassaram na face da terra. A moderníssima tecnologia da comunicação, colocando os acontecimentos do mundo ao nosso alcance e na palma da mão, está, fielmente, servindo para mostrar, em pleno século vinte e um!, nossa orgânica falta de humanidade e de piedade que se manifesta sempre durante guerras que resultam em massacres e genocídios, incluindo, horrivelmente, a morte de crianças, por fome e outros maus-tratos.
“A palavra progresso não terá qualquer sentido enquanto houver crianças infelizes”, é o que nos diz, de já distante época, Albert Einstein. E, de mais distante ainda, ouvimos de um pregador o eco dessas palavras milenares: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam, pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas”. Tudo isso, entretanto, convenhamos, são frases. São palavras, como folhas, jogadas ao vento. E palavras não enchem barriga. Pois o que importa mesmo, neste exato momento, é salvar fisicamente da fome e da miséria em que se encontram as crianças de Gaza, para não falar em outros milhares de crianças, também vítimas da fome, mundo afora.
Assistindo remotamente a esse panorama de terror, pergunto-me a mim mesmo: para que tanto desenvolvimento tecnológico? Para que números estonteantes do chamado PIB dos países ditos avançados? Para que tantos aviões e navios cargueiros transportando toneladas de alimentos para o mundo capitalista? Para que tamanha sofisticação nos meios de comunicação? Para nos dizer e mostrar claramente que, neste momento, milhares de crianças estão morrendo à míngua e de fome em Gaza, perante a falta de amor e de atitude dos mandatários do mundo?!
Para que alardear que o planeta produz hoje em dia bilhões de toneladas de alimentos, se em Gaza crianças estão morrendo à míngua e de fome?! O contraste é arrogante e revoltante. Ou, como melhor diria Albert Camus: “Não é o sofrimento das crianças que se torna revoltante em si mesmo, mas sim que nada justifica tal sofrimento”. O desperdício de alimento, a cada dia, nas grandes cidades do mundo, é, notoriamente, um fato absurdo, enquanto crianças estão morrendo à míngua e de fome em Gaza. Pequeninos corpos em pele e osso clamando por comida, atirados injustamente no lastro de uma guerra brutal que, a exemplo de todas as guerras, representa o vômito imundo e imperdoável da arrogância e estupidez humanas.
Assistindo, com dor na alma, às cenas desse panorama horrendo, sinto repercutir, no âmago dos meus tímpanos e do meu coração, neste exato momento, o brado, já tão antigo e ainda tão válido, do poeta Castro Alves, que em favor de outra causa não menos cruel, clamou em versos: “Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, senhor Deus! / Se é mentira… se é verdade / Tanto horror perante os céus?”.
2 Comentários
Soneto da fome de Camus, Castro até Pedro Paulo Paulino
(Baseado no texto de Pedro Paulo Paulino ” As Crianças Famintas de Gaza”)
Não é o pranto — é a razão do pranto,
Que fere mais que a dor de quem padece.
É ver o mundo sábio e tão espanto
Diante da criança que fenece.
Camus já disse: não há explicação
Que ao sofrimento puro dê alento.
E Castro, em versos, fez oração
Do horror que sobe aos céus em lamento.
Hoje, os senhores calçam seus discursos,
Mas Gaza sangra entre os seus estilhaços,
E a ética morre a cada decisão.
Faz-se da guerra o vômito do forte,
E da criança, a vítima da sorte
De um mundo que perdeu o coração.
Obrigado e parabéns pelo soneto, Aldacira Alves Araújo!