
O meu primeiro brado pessoal de independência aconteceu durante o curso primário. Estudante procedente do meio rural, no ano de minha estreia em uma escola da cidade, deparei-me, no segundo semestre de aula, com uma experiência que para mim foi insólita e traumática: a participação obrigatória de um desfile estudantil no 7 de Setembro. Meu desconforto diante dessa nova situação começou com os treinos diários. Em detrimento disso, aulas eram sacrificadas, e, sob as ordens do orientador, saíamos em formação desfilando nas ruas, debaixo de um sol impiedoso. No primeiro ensaio, voltei para casa desapontado, e não escondi meu protesto. Parecia-me que havia saído de um teatro de guerra.
Os dias seguidos de ensaios deixavam-me mais pleno de tédio e aversão. O clímax veio por ocasião da chamada Data Magna do país, que para mim, a primeira vez, foi uma data de frustração e cólera. A posição de cada um no corpo do desfile era apontada de acordo com a índole dos estudantes, já bem identificados nas salas de aula. Os mais afoitos, desinibidos e enérgicos, meninos e meninas, ocupavam, evidentemente, posições de destaque do pelotão cívico, em marcha quase marcial, à frente da bateria, que passava enchendo as ruas com o ruído de seus tambores, caixas, pratos e demais instrumentos.
Já o grupo dos mais retraídos e acanhados, no qual eu me alistava, seguia atrás da fanfarra, compondo uma divisão ignóbil que a ironia cruel dos nossos detratores colegas de escola, e o público assistente, apelidava de “rabada”, gíria equivalente à “lanterna” do futebol. E ali estava eu, com meus colegas de infortúnio, na “rabada”, pingando suor da testa, sem ânimo, exangues, mais arrastando os pés do que marchando, como soldados estropiados e tristes voltando de uma batalha perdida, sob os apupos, pilhérias e risos de escárnio vindos da multidão de espectadores a postos nas laterais das ruas.
No ano seguinte, ao anunciarem em sala de aula os preparativos para o 7 de Setembro, criei uma coragem surpreendente, desfiz-me por momentos da minha timidez congênita, ergui meu indicador como uma espada imaginária, e bradei: não participo! O espanto da professora e da classe, diante da minha audácia, não foi dos menores. Meu protesto, todavia, nada valeu naquele momento. Serviu, melhor dizendo, de zombaria. E só depois ganhou importância, com a intervenção de minha mãe, que em minha defesa alegou à diretoria da escola qualquer coisa como álibi, livrando-me para sempre daquele suplício.
Foi assim, portanto, minha penosa contribuição de patriota na parada do 7 de Setembro. O tempo apagou-me o ressentimento de menino. Em vez disso, direto das margens do rio da minha memória, ainda hoje escuto, com orgulho e nostalgia, o eco do meu primeiro brado retumbante de independência.